Skylarking vai buscar emprestado o nome a um poema de Percy Bysshe Shelley intitulado “To A Skylark”, mas ele é antes de tudo um álbum conceptual, onde no espaço de apenas um dia se tenta resumir todo o ciclo da vida, com incidência em certas fases, como a do crescimento e do despertar da sexualidade, o casamento, a lenta velhice e a fatídica morte. Continuando a toada pastoral de Hummer (1983), Skylarking abre com uma parafernália de ruídos da natureza: de grilos a rãs, de pássaros a abelhas e cães, tudo canta em “Summer Cauldron”, um tema que curiosamente foi inicialmente gravado no friorento mês de Janeiro. “Grass”, igualmente caloroso, segue o mesmo ritmo, e vai acabar com os mesmos ruídos com que tudo começou. E é assim então, num belo dia de Verão, onde o quadro da natureza inspira o seu pintor, que se conhece uma pessoa, na inesquecível música “The Meeting Place”, a mesma com que quer voar de mão dada, como num quadro onírico de Chagall, em “That’s Really Super, Super Girl”.
Tratando o amor por tu, é normal assistir ao desabrochar da felicidade e ao amadurecer das frutas das árvores no fenomenal “Ballet For A Rainy Day”, que tem no início da sua letra o verso “Oranges and lemmons”, anunciando já o nome do próximo álbum dos XTC (prática recorrente da banda esta, de acudir às letras para nomear os futuros discos).
Com a ajuda de Todd Rundgren na produção (com o qual Andy Partridge andava às cabeçadas), os arranjos de Skylarking resultaram brilhantemente, e das cordas dos violinos de “1000 Umbrellas” às cordas do piano de “Season Cycle” – um tema que faz corar os Beach Boys de orgulho – ver passar as estações torna-se tão real como este texto aqui e este ponto a acabar a frase.
O desfile da melhor filigrana pop continua em “Earn For Both Of Us” e “Big Day”, temas que dão finalmente o nó e colocam a aliança no idílico namoro, mas as coisas começam a variar e a aquecer com a electrónica minimal de “Another Satellite” e o jazz arrebatado de “The Man Who Sailed Around His Soul” (não, não é “The Man Who Sold The World”). Quente, quente, mais que quente, é o seguinte “Dear God”: uma carta não ao Pai Natal mas sim ao Todo Poderoso, não com pedidos mas com queixas, pela mão e pela voz de uma criança, que canta as suas amarguras e descrenças docemente para ironia dos destinos. “Dear God” pela sua carga anti-religiosa não estava inicialmente no disco (era um b-side do single “Grass”), mas a sua popularidade junto dos DJs levou-o a ser incluído e em boa hora o assim foi (Tricky até o aproveitaria mais tarde em Vulnerable). “Dying” e o magnificamente orquestrado canto de cisne de “Sacrificial Bonfire” aparecem logo depois, selando em beleza o ciclo da vida de Slylarking e com eles se diz adeus com lágrima no olho a um dos melhores discos da década de 80. |João Moura
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